AGENDA BRASIL FALIDO. Por Roberto Requião

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Pedro Nava afirmou que a experiência é um carro com os faróis voltados para trás. Com isso, o grande memorialista queria dizer que o exercício da memória é fútil, pois na vida não se pode voltar no tempo para se consertar erros.

Na política, contudo, a experiência é muito útil, já que pode evitar que erros do passado voltem a ser cometidos. A experiência, parafraseando conhecido economista e filósofo relegado ao ostracismo intelectual, pode evitar que tragédias do passado voltem a acontecer como comédias. A História não precisa se repetir.

O médico, escritor e poeta mineiro Pedro da Silva Nava (1903-1984), no poema “Toadas Para Meu Irmão”, expressa a dor dos brasileiros calados. Foto: www.tribunadainternet.com.br
O médico, escritor e poeta mineiro Pedro da Silva Nava (1903-1984), no poema “Toadas Para Meu Irmão”, expressa a dor dos brasileiros calados.
Foto: www.tribunadainternet.com.br

Mas há aqueles que, por desconhecimento ou interesse, preferem fazer tabula rasa da experiência para apresentar, como grandes novidades, carcomidos fracassos retirados de um baú de ossos históricos.

É o caso, infelizmente, da Agenda Brasil oferecida generosamente à Nação pelo presidente do Senado.

Trata-se de um somatório de medidas que, em seu conjunto, destina-se a reimplantar, no Brasil, o fracassado modelo do paleoliberalismo, que ruiu em quase toda a América Latina no início deste século e que provocou a pior crise do capitalismo desde 1929.

O que tal agenda oferece como futuro é a volta ao passado. E o que propõe como novo êxito é um velho fracasso.

Comecemos pelo fim. O fim do Mercosul, que é o que efetivamente se propõe quando se fala em “acabar com a união aduaneira”. Querem acabar com esse bloco sob o pretexto esfarrapado de que ele impede o Brasil de se integrar às “cadeias produtivas globais”. Ora, o Brasil já faz parte, há muito tempo, das cadeias globais de produção, na incômoda condição básica de exportador de produtos primários. Mas não por culpa do Mercosul. Ao contrário, é esse bloco e a integração regional como um todo que vêm salvando a nossa combalida indústria. Entre 2009 e 2014, já em plena crise, a Associação Latino-americana de Importação (ALADI), que inclui o Mercosul, absorveu mais exportações brasileiras de manufaturados que todos os países desenvolvidos somados. Para o Mercosul, nossas exportações estão concentradas em 92% em bens industrializados, e com grande superávit a nosso favor.

O que se quer, na realidade, com essa conversa tola, é ressuscitar o finado projeto da Alca, mediante acordos bilaterais de livre comércio. Acham que essa Alca bilateralizada elevaria o patamar econômico do Brasil. Engano crasso e parvo. Que o diga o México, país plenamente integrado às cadeias produtivas globais, campeão mundial na celebração de acordos de livre comércio, mas que tem, hoje, cerca de 50% de sua população abaixo da linha da pobreza, não tem indústria real significativa além das “maquilas”, e que é totalmente incapaz de produzir inovação tecnológica. É incapaz até de se alimentar sozinho. O México importa atualmente dos EUA até mesmo o milho, base da sua culinária.

O México se incorporou ao “trem da História” no vagão da terceira classe destinado aos provedores de mão de obra barata e legislação ambiental flexível. Querem o mesmo destino glorioso para o Brasil.

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Senador Roberto Requião.

Também desejam, aliás, o mesmo destino glorioso para a Petrobras, alquebrada pelo insustentável “fardo” de 176 bilhões de barris de petróleo, de acordo com última estimativa para o pré-sal do Instituto Nacional de Óleo e Gás da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Almejam que tal fardo seja transferido para a Chevron e outras grandes multinacionais, as quais, em louvável ato de altruísmo, o assumiriam com indisfarçável prazer. Retirando da Petrobras a condição de operadora do pré-sal, com o tempo ela se transformaria numa espécie de NNPC, a empresa nigeriana do petróleo que não produz, não controla e não supervisiona. E o Brasil se transformaria, dessa forma, no país que não tem cadeia do petróleo, não tem produção nacional e não tem futuro.

De modo inteiramente previsível, a Agenda Brasil continua com essa pauta de desconstrução do Brasil com as velhas receitas do modelo neoliberal falido.

No campo da Reforma Administrativa e do Estado, propõe-se, além da redução de ministérios, demagogia barata que não tem nenhuma relevância financeira, a redução de estatais, demagogia pela qual o Brasil pagaria um preço muito caro. O que se quer, nas entrelinhas, é a volta das privatizações, da venda entreguista do patrimônio público, na bacia das almas da crise. Poderiam ser vendidos, a convenientes preços de liquidação, o Banco do Brasil, a Caixa, o BNDES, a Petrobras, empresas de energia elétrica e tudo mais que tiver sobrado da voragem privatizante dos tempos do tucanato. Propuseram até mesmo a privatização do SUS, com a precursora medida da cobrança de procedimentos.

Voltou, com grande força, a agenda destrutiva do Estado Mínimo, ensejada pela “necessidade” da contenção de gastos e do “equilíbrio fiscal”.

No que tange à (des)proteção social, pretende-se “regulamentar a terceirização”, inclusive em atividades-fim, forma perversa e sub-reptícia de burlar e corroer a proteção trabalhista herdada dos tempos de Getúlio Vargas. Com isso, o Brasil poderá regredir livremente aos tempos da República Velha, quando a incômoda questão social era simples caso de polícia.

Agenda Brasil foi apresentada por Renan Calheiros. Foto: Agência Senado
Agenda Brasil foi apresentada por Renan Calheiros. Foto: Agência Senado

A Agenda também recomenda o aumento da idade mínima para aposentadorias, como forma de se alcançar o nirvana estéril do equilíbrio fiscal. Contudo, faltou incluir na Agenda o sábio conselho do Ministro de Finanças do Japão, Taro Aso, que, em 2013, recomendou aos velhinhos de seu país que morressem mais rápido. Convite prontamente recusado por seus beneficiários.

O mesmo cuidado reservado aos idosos e aos trabalhadores é também estendido às reservas indígenas e ao meio ambiente. Com efeito, a Agenda propõe tanto a revisão das normas relativas à exploração das terras de nossos aborígenes quanto o fast track da expedição de licenças ambientais, com o intuito, é claro, de proteger tanto uns quanto o outro.

Assim, a Agenda contém em si uma série de tragédias trabalhistas, previdenciárias e ambientais, encenadas no palco do ajuste draconiano e recessivo dirigido pelo ministro Levy.

Entretanto, a grande tragédia da Agenda Brasil e tantas outras agendas e pautas que crescem como fungos no Executivo e no Congresso é a total falta de pensamento estratégico sobre o Brasil e seu futuro. A necessidade tática, de curto prazo, do ajuste fiscal, transmutou-se em estratégia e modelo de longo prazo para o país.

Significativamente, ninguém está falando em câmbio, em taxas de juros, em política industrial, em inovação tecnológica, e muito menos, em política de desenvolvimento e em projeto de nação. Tudo isso, pasmem, numa conjuntura de fim do ciclo das commodities, crise mundial profunda e permanente, e célere debacle da nossa indústria.

É evidente que o término desse ciclo impõe ao país o desafio estratégico de acelerar a transição para uma economia baseada numa indústria nacional competitiva, fundada em educação de qualidade e capacidade de gerar inovação. Ademais, o baixo crescimento do comércio mundial, que vem se perpetuando desde 2011, demanda o aprofundamento do processo de ampliação do mercado de consumo interno.

Como vamos enfrentar esse desafio? Com as maiores taxas de juros do mundo, que esterilizam quaisquer esforços fiscais? Com o câmbio sobrevalorizado que mata a nossa indústria? Arrochando trabalhadores e aposentados? Voltando a ampliar as desigualdades? Vendendo patrimônio público e setores estratégicos a preço de banana? Entregando o pré-sal?

É essa a discussão que o Brasil deveria fazer. Não o debate de agendas míopes de um fiscalismo colocado a serviço da banca desregulada e de um entreguismo literalmente barato.

O futuro do Brasil não está em seu passado. O êxito do Brasil não está em seus fracassos pretéritos.

A Agenda Brasil e a agenda neoliberal e fiscalista que se tornou hegemônica no Brasil pretendem dirigir o país com faróis voltados para atrás e olhando pelo retrovisor.

Não salvará o governo, muito menos o Brasil. E sequer adiantará rezar com o galo-das-trevas. Com elas, nossa condenação é certa.

Foto portada: www.cubahora.cu